Spartans deveriam morrer: o estoicismo em Halo 4

Leonardo Resende Costa, 10 de março de 2024

Introdução

“Spartans não morrem”, diz o ditado popular. Spartans são os maiores guerreiros do século XVI, frutos de tecnologia de ponta, treinamento rígido e esforço hercúleo da União das Nações. O nome dessa infantaria especial é inspirado nos guerreiros espartanos do século IV a.C. Embora ferozes e determinados, diversos espartanos morreram em ação. E mesmo aqueles que sobreviveram às batalhas, tiveram seu encontro com a morte. Por mais que evolua a humanidade, a morte permanece inevitável, e tentar permanecer junto à carne tem consequências catastróficas.

A morte sorri para todos nós; tudo que um homem pode fazer é sorrir de volta

Gladiador

A morte para a Filosofia Estoica

Tempos depois, mesmo com grande esforço, a Grécia fora invadida (várias vezes, inclusive) e um novo império dominava todo o ocidente: o Império Romano. Não que tudo que fosse grego tivesse morrido; muito pelo contrário, a cultura grega fora facilmente assimilada ao império; apenas houve o início e fim de ciclos. A prova de que a cultura grega se mantinha é que, apesar de ter começado há séculos, o estoicismo teve seu apogeu em Roma. Marco Aurélio, Epiteto e Sêneca foram os principais pensadores romanos que defendiam a ideia da aceitação da morte e da dicotomia da ação. Para eles, não haveria uma vida, ao menos consciente, após a morte e todos iriam, inevitavelmente, morrer e se juntar à estrutura harmoniosa do universo. O homem não poderia controlar a morte, as outras pessoas e nem sua própria vida senão em sua mente. Não é racional, portanto, se apegar a qualquer coisa.

A efemeridade é o que há de comum em todas as coisas

Marco Aurélio

Halo 4: Uma parábola estoica

E muitos ciclos terminaram. O grande Império Romano caiu, tal como muitos outros. Bilhões de pessoas viveram e morreram. O homem conheceu seu próprio mundo e explorou outros. O homem descobriu outro império e o derrotou. Veterano dessa guerra, Jhon-117 é o Spartan responsável por terminá-la. Muitos acreditavam que ele era imortal, mas em sua última batalha, veio a óbito.

John, no entanto, é teimoso e ficou em criogenia por 4 anos. Sua assistente pessoal, Cortana, acorda-o em 2557, pois há uma ameaça Covenant invadindo a nave. A situação é estranha, afinal o Covenant havia sido derrotado, mas o spartan luta uma guerra que já não existia. O Covenant também é teimoso pois insiste em lutar por uma facção derrotada e um objetivo já desnecessário. Mas a intransigência de Chief vence, e ele se vê sendo puxado para um planeta misterioso.

Após cair no planeta, Cortana é interrogada por Chief e revela estar passando pelo processo de Rampamcy, estágio onde as IAs sofrem deterioração e morrem. É esquisito que IAs passem pelo processo de envelhecimento uma vez que são máquinas e máquinas não morrem. Chief promete ajudá-la e vai explorar o mundo onde está. Numa tentativa de contatar alguma nave humana, Chief acaba libertando o Didact, um forerruner. O Didact estava aprisionado desde o fim do Império Forerruner há milhões de anos. Como ele poderia ter sobrevivido? Negando a sua morte e de seu povo. Amarrado a ideias antigas, ele agora quer subjugar a humanidade novamente.

O tempo foi seu aliado, humano, mas agora, o abandonou.

Didact

Após escapar do Didact, Chief se encontra com a Infinity, uma nave humana. A nave é mais potente do que qualquer uma que ele já tivesse visto, o comando da marinha agora é outro e os spartans são diferentes. A realidade se modificou. O mundo que ele viu já não existia mais.

Lutando contra o Covenant e os Promethans, soldados robóticos comandados pelo Didact, o spartan encontra a Librarian, uma forerruner que revela que durante a guerra contra o Flood, soldados forerruners foram digitalizados para se tornarem imortais e lutarem contra a infecção, mas perderam sua consciência no processo. Ao serem encontrados pelo Didact, a Librarian deu a John a imunidade contra o Composer, arma usada para digitalizar os soldados anteriormente, para que ele continuasse humano. Ele foge, destrói um canhão do Didact e se reúne com a tripulação da Infinity.

Tentando impedir que o Didact ameace a Terra, Chief acaba viajando até a Instalação 03, onde está um Composer e uma estação de pesquisa humana. Ele adentra na estação, mas não consegue impedir que o Composer seja ativado e todos os cientistas da estação sejam digitalizados. Chief permanece vivo, como se não fosse humano tal como os outros. Entretanto, ele persegue o Didact e acaba na órbita da Terra. Após uma batalha, Chief empurra-o no Composer e explode a arma consigo dentro. Num ato de sacrifício, Cortana protege John e morre no seu lugar. Após ser resgatado pela Infinity, Chief fica reflexivo sobre tudo que acabou de acontecer.

Metáforas e realidades

A história de Halo 4 é a história de três personagens tentando negar a morte. Toda a narrativa jamais teria acontecido se Cortana, John e Didact tivessem aceitado o fim dos seus tempos na história e em vida. E todos, além de estarem vivos num momento que não deveriam, queriam que se pudesse viver no futuro: Chief queria salvar Cortana, Cortana queria se salvar e Didact queria mais guerreiros imortais. E negar a morte tem consequências, desde os soldados Prometheans, que viraram seres sem consciência, até a separação de Chief e Cortana. Cortana, por mais irônico que seja, realizou o ato mais humano do jogo: morreu, não apenas para salvar John, mas também para dar fim a ciclos. Os ciclos do Império Forerruner, da sua amizade com um humano e da guerra contra o Covenant, que já deveriam ter acabado, mas foram erroneamente ressuscitados. A lição que fica é que não devemos temer a mudança imposta a nós, sempre focando naquilo que podemos mudar. Querer mudar o mundo inteiro apenas leva a sofrimento desnecessário. E o verdadeiro sofrimento não é a morte, mas uma vida mal vivida.



Comentários