Mudança de planos: por trás das câmeras do desenvolvimento de Halo: Combat Evolved

Leonardo Resende Costa, 2 de junho de 2024

Introdução

O desenvolvimento de videogames, tal como a produção de qualquer obra, passa por dois processos distintos: um é mais criativo e experimental, enquanto o outro precisa estar com os pés no chão para atingir um objetivo. Seria maravilhoso se fosse possível ter o jogo perfeito que tanto se sonha, mas existem limitações técnicas, de tempo, dinheiro e sociais que precisam nortear o seu desenvolvimento. A franquia Halo não é exceção — muito pelo contrário — e teve desenvolvimentos conturbados em toda a sua história, com desavenças e diferentes visões dentro da equipe responsável pelos títulos. Nesse artigo, a história do desenvolvimento de Halo: Combat Evolved será narrada.

“Mito de fundação”

Nos anos 90, a Bungie deixou sua marca com a série de FPS Marathon e com o RTS (jogo de estratégia em tempo real.) de fantasia Myth: The Fallen Lords. Em 1997, enquanto boa parte do time, que tinha por volta de 15 pessoas, se concentrava em Myth II, Marcus Letho foi designado para trabalhar em um outro projeto com Jason Jones. A premissa do jogo era simples: um RTS como Myth, mas ambientado em universo sci-fi e inspirado em Starcraft, mas sem manejamento de recursos. Além disso, a engine da Bungie era ótima para fazer simulações físicas e os veículos e armas interagiam com o cenário e os personagens de forma única.

“A missão mudou. Elas sempre mudam.”

O projeto foi se desenvolvendo e teve muitos codinomes internos: Armor, Monkey Nuts1 e Blam. Conforme o jogo se tornava mais complexo, a câmera, que se posicionava de forma isométrica acima do mapa e das unidades, podia ser fixada atrás de uma unidade qualquer. Ao fixarem atrás do Master Chief, que na época era uma unidade chamada de “future soldier”, os desenvolvedores se encantaram com a visão de dirigir um Warthog e decidiram que o Blam seria um jogo de tiro em terceiro pessoa.

“Não estava nem claro se o jogo teria uma história ou não. Era um simples jogo de multijogador para começar. Como muitos jogos da Bungie, é assim que os protótipos começam e eles encontram diversão.”

Joe Staten

Os funcionários então passaram a desenvolver o jogo em 3ª pessoa. O multijogador possuía um modo de eliminação 4×4, semelhante ao Team Slayer, e o desenvolvimento da Bungie costumava acabar as 4 horas da tarde, quando os funcionários iam jogar até o fim do expediente.

Hora da revelação

Em 1999, chegava a hora de mostrar o jogo para o mundo. A Bungie tinha um acordo com a Apple e o futuro jogo seria lançado para Macintosh e, portanto, apresentado no Macworld, em julho. Porém, o jogo não tinha nenhum nome ou logomarca. A Bungie chegou a contratar uma empresa para criar, mas não concordou com os nomes propostos. Então, Paul Russel, um dos artistas, propôs alguns nomes, dentre eles Halo. A princípio, ninguém gostou do nome, mas acabaram aceitando a proposta.

Havia também outro problema: o som. Para o Macworld, seria apresentado um trailer in-game de Halo. No entanto, o som do jogo simplesmente não funcionava no Mac e a única alternativa seria exibir o jogo com uma música.

“Eu perguntei ao Joe: ‘Emocionalmente, o que estamos tentando dizer aqui?’ Tudo que eu sabia na época era que o jogo tinha fuzileiros navais espaciais contra alienígenas. Ele disse: ‘Ainda não sei como será a história, mas ela precisa criar uma sensação antiga, épica e misteriosa’. O canto dos monges faz você se sentir antigo, então escrevi a melodia, que meu parceiro de composição e eu, e alguns outros cantores, tocamos. Foi uma daquelas coisas divertidas que realmente não tivemos tempo para questionar.”

Martin O’Donnell, compositor de Halo
Apresentação de Halo no Macworld por Steve Jobs

A apresentação foi um sucesso. As pessoas ficaram maravilhadas com o jogo da Bungie, que claramente não era usual. Em determinado momento, Halo era um dos cinco jogos mais esperados em três continentes sem que se tivesse gastado coisa alguma com publicidade.

Chegando para Xbox

Ainda que o anúncio de Halo tenha sido um sucesso, a Bungie se encontrava em uma situação financeira complicada. Ela chegou a fazer uma parceria com a Take Two, mas, após negociações, a Microsoft comprou a Bungie e o jogo Halo por 30 milhões de dólares. A compra foi justificada pela necessidade de mais jogos para serem lançados para Xbox, em 2001.

Ajustes finais

Ainda assim, Halo não estava próximo de ser o que conhecemos hoje. O jogo tinha um mapa muito maior e a exploração era um fator importantíssimo para a gameplay. No entanto, o time decidiu que deveria haver mais momentos de tiroteio, tornando Halo um jogo de tiro em primeira pessoa.

O maior desafio, porém, era lidar com a Microsoft. Os executivos pediram mudanças no nome dos personagens, na história e até forçaram a adição do subtítulos Combat Evolved. O time da Bungie também teve de refazer todo o multiplayer e adaptar o jogo, que foi feito por cerca de três anos para rodar em um PC ou em um MAC.

“Nenhum de nós jamais tinha visto um Xbox antes da aquisição. Acho que só foi anunciado alguns dias antes da Microsoft se reunir conosco. Isso apenas significou uma mudança incrivelmente dramática – na plataforma, no prazo, no local de residência, em tudo.”

Jaime Griesemer

A pressão dentro do estúdio era tão grande que os funcionários da Bungie foram trabalhar para terminar as cutscenes do jogo no dia 11 de setembro de 2001, dia em que ocorreu o atentado às Torres Gêmeas, e levaram uma bronca de Martin O’Donnell.

“Enquanto assistiamos a isso, percebi que não sabia se o mundo está acabando. Liguei para Jay e ele já estava no estúdio. Eu disse: ‘o que você está fazendo? Vai para casa. Quem mais está aí?’ Ele disse que todo mundo estava. Eu fico tipo, você está brincando comigo? Todos nós tínhamos chegado a um ponto tão doentio que pensávamos que não poderíamos perder nem um dia. Foi realmente meio insano. Fui até lá e fiz todo mundo ir para casa.”

Martin O’Donnell

Lançamento

Apesar dos percalços na reta final, Halo: Combat Evolved foi lançado em 15 de novembro de 2001 e foi um sucesso de vendas e crítica. Vendeu mais de 4 milhões de cópias, sendo o principal título do Xbox. Após o estrondoso sucesso do primeiro jogo, a Microsoft pode investir cada vez mais na Bungie, que posteriormente começou a produzir uma sequência.

Referências

https://www.vice.com/en/article/xwqjg3/the-complete-untold-history-of-halo-an-oral-history#ulf-1

  1. Gíria que significa “testículos de macaco”. O codinome foi mudado para evitar que Armor fosse o título de lançamento do jogo, deixando um título provisório claramente humorístico. O codinome só foi mudado pois Jason Jones não queria falar para sua mãe que estava trabalhando em um jogo chamado Monkey Nuts. ↩︎


Comentários